Excerto da entrevista de Alexandre Lemos à revista Via Latina sobre a peça "2 Cyborgs Num Quarto Vazio"
Não há texto, certo? De onde partem? A própria improvisação terá de ter uma base…
Não conhecemos o texto com que vamos chegar a palco quando começamos a ensaiar. O que não é a mesma coisa que dizer que não resulta um texto do processo de ensaios. Esta forma é muito próxima daquilo que podemos chamar “devising theatre”, uma estratégia de construção teatral na qual os ensaios são o momento da escrita, de criação por excelência. Numa abordagem mais clássica, o texto com que se vai trabalhar foi escrito num ambiente externo ao da encenação e da montagem do espetáculo, cabendo depois ao encenador fazer essa ponte: propor desafios, gerir a improvisação e tentar canalizá-la no sentido de uma obra. Inevitavelmente desenvolvem-se muitas cenas que acabam por não chegar ao palco, porque não encaixam com o resto da peça. Este processo é, em boa parte, uma variação da forma como a Marionet trabalha apesar da mudança que representa ser a primeira encenação feita na companhia por alguém que não o Mário Montenegro.
Quanto às mensagens que o público poderá extrair, que pistas adiantas?
Vão encontrar dois intérpretes num lugar vazio onde “os cyborgs são treinados para não serem reconhecidos quando estiverem entre nós”. Um espectador, num ensaio, achou que tínhamos criado um espaço muito vazio, árido, e depois o tínhamos preenchido com um frenesim desesperado, de quem tenta preencher o vazio e não consegue. (…) Prefiro pensar em algo aberto à interpretação dos espectadores.
E que espectadores poderão ser esses? É um espetáculo dirigido?
Os criadores têm sempre a ilusão de dizer que os seus espetáculos são para todas as pessoas (…). Eu tenho a pretensão de achar que estou a trabalhar para mim. Isto é, para quem está à procura da mesma coisa que eu quando vou ao teatro. Coisas novas, que tenham uma linguagem mais próxima (…) do meu quotidiano – por mais que goste do texto do Shakespeare, na minha vida não há romances de Romeu e Julieta. Daí que esta peça ande à volta da saturação da tecnologia, da grande transformação que sinto no meu corpo e no corpo das pessoas à minha volta, a um ritmo cada vez mais acelerado, e do efeito que isso tem nas nossas relações. Quer de uma forma mais romântica, quer num simples contacto.
Sei que numa sessão do other data club discutiram a ideia de cyborg. O que ficou?
O Other Data Club é um espaço onde partilhamos ideias que, normalmente, não tem lugar na nossa vida.(…) O Other Data Club foi convocado duas vezes nesta produção. Convidando desde antropólogos a engenheiros especializados em robótica, com ideias muito diferentes do que é um cyborg. O cyborg foi pela primeira vez usado na conquista aeroespacial, numa estratégia diferente da arquitetónica – pôr cápsulas no espaço nas quais o homem consiga sobreviver. A estratégia cyborg pretende capacitar o Homem de extensões que lhe permitam sobreviver num ambiente adverso. Com a extensão do corpo conseguimos esbater muitas das limitações do ser humano. Como artistas interessa-nos discutir em que é que o ser humano se está a transformar.
Por que escolheste trabalhar com estes intérpretes?
Já tinha trabalhado com o Ricardo, que também já trabalhou com a Marionet. Tinha muita confiança nas capacidades dele. Gosto muito do que ele põe nas coisas, no quão criativo é e das dificuldades que, como ele diz, é capaz de criar a um encenador. Não se limita a ser um intérprete da vontade de outros. Para o intérprete feminino fiz um casting. A Costanza surpreendeu-me muito. Gostei muito do que vi dela, quer no casting, quer em vídeo. Além disso, apesar de ser relativamente nova, tem já um percurso muito interessante em teatro e em dança.
Essas valências da Costanza, em dança contemporânea e teatro com forte expressão corporal, estão evidenciadas nesta produção?
(…) faz diferença que um intérprete tenha qualidade, treino e experiência.