Nanotecnologia: o futuro vem aí!
A propósito de “Nano T“, pedimos ao Professor Carlos Fiolhais que escrevesse um texto a incluir na Folha de Sala do espetáculo, que agora transcrevemos:
Muito se fala hoje de “nano” por todo o lado… Mas, para o caso remoto de haver alguém que ainda não saiba o significado, o prefixo “nano” vem do grego “nânos” , que significa anão, muito pequeno. Mais precisamente, a 11ª Conferência Internacional de Pesos e Medidas deliberou em 1960 chamar nano ao milésimo do milionésimo. Assim o nanómetro é um milésimo do micrómetro (antigamente chamado “mícron”), que por sua vez é um milésimo do milímetro, que por sua vez é o milésimo do metro. Se o milímetro é o diâmetro de uma formiguinha, que se vê a olho nu, o micrómetro é a dimensão de uma célula viva, que se vê com um microscópio normal, e o nanómetro é a dimensão de uma molécula orgânica, que só se consegue ver com um microscópio especial (que, por isso, bem se poderia chamar “nanoscópio”).
A nanociência e a nanotecnologia são a ciência e a tecnologia dos objetos à escala molecular. Poder-se-á perguntar se essas disciplinas não existem já com o nome, bem antigo, de química e, mais recente mas ainda antigo, de engenharia química. Porém, a nanociência e a tecnologia, em contraste com a química e a engenharia química, procuram construir novas moléculas e novos materiais juntando os seus constituintes, átomo a átomo, com uma individualidade e uma precisão que não se conseguem quando se trabalha com uma multidão inumerável de partículas.
Essa ciência e essa tecnologia têm, de facto, bastante de química e de engenharia química. Mas também têm de física, de biologia, de biofísica, de bioquímica e de medicina… Entram pela vida dentro. E também entram pela nossa vida dentro: Também têm a ver com outras tecnologias mais convencionais como as engenharias eletrotécnica, informática, mecânica, de materiais e biomédica. É interdisciplinar, tem essa poderosa marca da ciência e da tecnologia mais modernas. A mais comprida das moléculas orgânicas é também a mais comprida de todas as moléculas – a molécula do ácido desoxirribonucleico, DNA, que guarda o código da vida. Apesar de a molécula do DNA humano ter um comprimento médio, quando completamente desenrolada, de cerca de 5 cm (os 46 cromossomas humanos perfazem, portanto, um total de pouco mais de dois metros, e o conjunto de todos os cromossomas de um corpo humano fazem um cordão que daria para ir da Terra ao Sol e volta cerca de setenta vezes), o seu diâmetro é apenas de 1,6 nanómetros. Trata-se de uma molécula muito grande, mas muito fina! Como termo de comparação, tome-se a molécula de água (a molécula mais abundante à superfície da Terra, da qual perfaz três quartos, e no interior do corpo humano, do qual perfaz dois terços), que tem a forma da cabeça do rato Mickey, mas com um tamanho de apenas duas décimas de nanómetro.
O físico Albert Einstein foi um dos primeiros a calcular o tamanho das moléculas. Na sua tese de doutoramento, intitulada ”Uma nova determinação das dimensões moleculares”, entregue em 1905 (o seu “ano milagroso”) e que se veio a revelar o seu trabalho mais citado desse ano apesar de concorrer diretamente com os trabalhos inaugurais da teoria da relatividade, chegou à conclusão de que o raio de uma molécula de açúcar (sucrose) era de 0,62 nanómetros, tendo portanto um tamanho intermédio entre o do diâmetro da molécula de DNA e o da molécula de água. O nanómetro é, portanto, a unidade adequada para medir os numerosos e variados habitantes do reino das moléculas!
No tempo de Einstein, falava-se apenas em hipótese atómica. Vivia-se ainda a época da transição, que foi lenta e difícil, da hipótese para a realidade atómica. A palavra “átomo”, com origem no grego antigo, significa indivisível. Tinha sido usada pela primeira vez por um poeta e filósofo grego, Demócrito (460 a.C. – 404 a.C.). Demócrito afirmou num dos seus versos que “só há átomos e espaço vazio”.
Hoje sabemos que Demócrito tinha razão (não se conhecem imagens contemporâneas dele, mas imagens muito posteriores representam-no como o “filósofo que ri”: talvez ele ria por saber que tem razão muito antes do tempo…). Essa mensagem foi, três séculos mais tarde, desenvolvida por Lucrécio (99 a.C. – 55 a.C.), um outro poeta, não grego mas latino, na sua única obra escrita que chegou até nós: “De Rerum Natura”. Apesar do decisivo contributo dado no final do século XVIII pelo francês decapitado pela Revolução Francesa Antoine Laurent Lavoisier (1743 – 1794), que muitos consideram o “pai da química”, a química moderna só viria a ficar estabelecida no início do século seguinte com o inglês John Dalton (1766-1844), o autor do “New System of Chemical Philosophy” . Foi ele quem introduziu os átomos na química como partículas reais: para ele as substâncias elementares eram formadas por átomos, representadas por pequenas esferas, enquanto as substâncias compostas eram formadas por moléculas, representadas por grupos de pequenas esferas. Hoje sabemos que Dalton tinha razão: a molécula de água tem três átomos (dois de hidrogénio, as orelhas do rato Mickey, e um de oxigénio, a cara), mas a molécula de sucrose tem 45 átomos (12 átomos de carbono, 22 átomos de hidrogénio, e 11 átomos de oxigénio) e o DNA tem cerca de dez milhões de átomos… A química não é mais do que um jogo de moléculas, um jogo em que as moléculas se encontram e há um toma-lá-dá-cá de átomos.
Em 1911, o átomo, embora mantendo o seu nome, deixou de ser indivisível. A estrutura íntima do átomo foi desvendada pelo físico britânico Ernest Rutherford (1871-1937), que numa experiência engenhosa encontrou o minúsculo núcleo no centro do pequeno átomo. Passados dois escassos anos, outro grande físico, o dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), adiantou que o átomo era formado não só pelo núcleo central, mas também pelos eletrões à sua volta que, estranhamente, só podiam ter certas energias. Os estados de energia dos eletrões eram previstos com espantosa precisão por uma nova mecânica – a mecânica quântica. São os eletrões mais externos os responsáveis pela ligação química, seja esta na molécula de água, a molécula do açúcar ou a molécula do DNA, e a mecânica quântica diz tudo o que há a dizer sobre essas partículas.
Uma geração de físicos brilhantes aplicou fecundamente a mecânica quântica de Bohr, mais tarde aperfeiçoada por Werner Heisenberg, Erwin Schroedinger e Paul Dirac (ela ficou pronta, essencialmente como está hoje, no ano de 1926). O seu poder está sintetizado na afirmação de Dirac: “a mecânica quântica descreve toda a química e quase toda a física”. De posse da mecânica quântica, os cientistas tinham encontrado o segredo da ligação dos átomos para formar moléculas e materiais. Contudo, o termo “nanotecnologia” só começou a ser usado a partir de uma conferência de um físico famoso, que, apesar de dispor do talento necessário, nasceu tarde demais para ajudar a criar a mecânica quântica (tinha só oito anos em 1926): o norte-americano Richard Feynman (1918-1088). Feynman proferiu em 1959 uma conferência, que haveria de ficar memorável, no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), em Pasadena, numa reunião da Sociedade Americana de Física.
O título sumaria a sua forte mensagem, que vem na tradição de Demócrito e Lucrécio: “Há muito espaço lá em baixo” (em inglês soa melhor: “There is plenty of room at the bottom”). Como ele mesmo enfatizou, não apenas havia espaço lá em baixo, mas havia muito espaço lá em baixo! Feynman queria dizer que, de posse do conhecimento dos átomos, poderíamos movê-os e ligá-los da maneira que quiséssemos. De facto, esse é o sonho que tem sido almejado e concretizado pela nanotecnologia… Todos os átomos “gostam” uns dos outros, no sentido em que há sempre ligações químicas entre eles, de um tipo de ou outro, mais intensas ou menos intensas (até existe uma molécula formada por dois átomos de hélio, o mais leve dos gases inertes, se a temperatura ambiente for suficientemente baixa). Poder-se-á então perguntar: porque não são infinitos os livros de Química uma vez que são infinitas as possibilidades de combinação dos cerca de cem átomos dos elementos da tabela periódica? Com efeito, se os manuais de introdução à química têm um tamanho limitado, é porque os seus conteúdos se centram nas moléculas mais usuais à superfície da Terra, como a água, ou moléculas que conseguimos sintetizar com facilidade, como o açúcar, ou as moléculas dentro das células do nosso corpo, como o DNA. Com a disciplina emergente da conferência de Feynman, há o sério risco de os livros de química serem muito ampliados ou, pelo menos, de o número de livros de química ser muito ampliado…
Feynman imaginou um futuro povoado de micro e nanomáquinas utilitárias. E, como era um cientista muito brincalhão, ofereceu prémios a quem conseguisse concretizar esse futuro. Ele estava disposto a pagar para ver o futuro aparecer mais rápido. Anunciou:
“Quero oferecer um prémio (…) de mil dólares ao primeiro fulano que conseguir fazer um motor elétrico operativo – um motor elétrico giratório que possa ser controlado por fora e, não contando com os fios condutores, tenha apenas 1/64 da polegada cúbica.”As unidades anglo-saxónicas não são comuns entre nós, mas essa fração da polegada cúbica mede 60 micrómetros, pelo que se trata de um micromotor. Não demorou muito até que alguém construísse e exibisse dispositivo, reclamando o cheque do prémio.
Mas Feynman anunciou um outro prémio, este mais difícil de ganhar:
“É minha intenção oferecer um prémio de mil dólares ao primeiro fulano que pegar na informação da página de um livro e a colocar numa área que é 25 000 vezes menor em escala linear de modo que possa ser lido por um microscópio eletrónico”.
A escala de 1/ 25 000 é a escala das cartas militares: nessa escala, um quilómetro de terreno é representado por 4 centímetros no mapa. A fração de 1/ 25 000 de um milímetro (tamanho típico de uma letra de um livro) vale 40 nanómetros.
Aqui já estamos aqui no domínio da nanotecnologia. Demorou um pouco, mas lá apareceu um engenheiro a reclamar a merecida recompensa… Note-se bem como o nanómetro é anão: 40 nanómetros estão para um milímetro assim como 40 milímetros estão para um quilómetro!
Em 1989, o físico norte-americano Donald Eigler e seus colaboradores, um grupo a trabalhar nos laboratórios de Zurique, na Suíça, da maior empresa de computadores do mundo, a International Business Machines (IBM), conseguiram desenhar o logótipo mais pequeno do mundo, reunindo trinta e cinco átomos de xénon depositados sobre uma superfície de níquel. Usaram átomos de um gás raro sobre um metal para evitar ou pelo menos demorar qualquer reação química (senão esse cartaz publicitário mais pequeno do mundo seria também o mais rápido do mundo…). A altura da letra I, formado por nove átomos de xénon, é de uns míseros 5 nm. Esta proeza nanotecnológica, teria, portanto, ganho à vontade o segundo dos prémios anunciados por Feynman se ele não tivesse já sido entregue antes. Vemos aqui a espantosa nanotecnologia em ação: reuniram-se nove átomos de xénon com o propósito deliberado de fazer a letra I! E só falta um átomo por cima para pôr a pintinha no i… Que instrumento permitiu essa proeza? E que instrumento permitiu fotografá-la? Trata-se afinal de um e do mesmo instrumento: o microscópio de efeito túnel (“scanning tunneling microscope”, nome normalmente abreviado para STM), que foi inventado em 1982 pelo físico suíço Heinrich Roehrer e pelo físico alemão, na altura seu estudante de pós doutoramento, Gerd Binnig, que trabalhavam nos Laboratórios da IBM em Zurique. O aparelho era tão engenhoso e útil que valeu aos dois o prémio Nobel da Física em 1986, escassos quatro anos depois da construção do aparelho. Raramente a Academia de Estocolmo é tão rápida a conceder a sua alta distinção… E não era caso para menos uma vez que o aparelho que permitia manipular e visualizar os átomos depressa encontrou as mais variadas aplicações na ciência, no ensino e na indústria.
Um moderno STM fica colocado em grande parte dentro de uma câmara de alto vácuo, uma vez que, para juntar os átomos sobre uma superfície, convém que não haja ar (formado basicamente por azoto e oxigénio) em redor, uma vez que os átomos da atmosfera se ligam facilmente à superfície (os átomos gostam uns dos outros e, em particular, os átomos de oxigénio gostam muito de superfícies metálicas!). E necessita de estar ligado a um computador. A tecnologia desses microscópios tem evoluído muito desde o primeiro protótipo e continua a evoluir. Tornaram-se mais sofisticados por um lado e menos sofisticados por outro. Como um “spin-off” do grupo de Roehrer foi até criada uma empresa que monta e vende STM relativamente baratos, que são ligados a computadores portáteis, e que servem para demonstrações escolares. A principal diferença desses equipamentos para os profissionais é o facto de não exigirem um ambiente de alto vácuo. Mas, em contrapartida, não funcionam com quaisquer amostras, mas sim com amostras pré-preparadas como lâminas de grafite, a forma de carbono que existe na ponta dos lápis (consiste internamente de folhas, que deslizam facilmente umas sobre as outras, ao contrário de outras formas de organização do carbono, como o diamante) Esses STM permitem aos alunos ver os átomos ao vivo e não apenas lê-los como palavras (à la Demócrito) ou vê-los como bolas pintadas num livro (à la Dalton). Os alunos podem, por exemplo, ver os belos “favos de mel” que são as folhas formadas por átomos de carbono.
Nas suas mentes ficarão gravadas imagens reais dos átomos reais… Mas como funciona o STM? Basicamente ele possui uma ponta extremamente afiada, com um ou poucos átomos no vértice, que é controlada por um braço mecânico com um movimento tridimensional (para cima e para baixo, para a frente e para trás, para a direita e para a esquerda). Essa ponta é colocada mesmo por cima da amostra cujos átomos se pretende ver e mexer. Mas, muito cuidado, porque há só um espacinho entre a ponta e a amostra: neste tipo de microscópio a ponta não toca na amostra. Estabelece-se uma grande tensão elétrica entre a ponta e a amostra. Então os eletrões da amostra, que estão obviamente mais concentrados nos sítios onde há mais átomos, são extraídos para a ponta, por onde passa uma pequena corrente elétrica que é convenientemente registada. De acordo com a mecânica clássica essa corrente não poderia existir, mas, por obra e graça da mecânica quântica, já pode: o fenómeno é chamado efeito túnel, uma vez que os electrões atravessam um “monte” energético chamado barreira de potencial. A ponta move-se sobre a superfície da amostra, recolhendo sempre a corrente elétrica, tal e qual um arado que lavra lentamente um terreno. A ponta pode ter uma altura constante, registando-se alterações de corrente, ou pode haver corrente constante, tendo então a ponta de se mover para cima ou para baixo e registando-se a sua altura. O que se está a medir, qualquer que seja o caso, é a densidade eletrónica em cada ponto, isto é o número de eletrões em cada pequena região da superfície da amostra. Ao fim de algum tempo de recolha de dados, fica no ecrã de computador uma imagem da superfície com uma admirável resolução atómica. Os átomos veem-se bem, muito bem, mas podem ser pintados artificialmente para se verem melhor. E, manobrando convenientemente a ponta, pode-se mexer neles. E levá-los para onde muito bem se quiser! Por exemplo, pode-se formar o logótipo da tal empresa multinacional.
É assim que é possível fotografar não só as letras IBM como os “favos de mel” da grafite como ainda “ilhas” de molibdénio colocadas num “mar” de silício (um metal colocado por cima de um semicondutor, tendo essas ilhas um tamanho nanométrico, ou “ilhas” de germânio num “mar” de silício (um semicondutor colocado por cima de outro, num processo que tem interesse para a indústria informática. Pode-se também fabricar e fotografar coisas muito estranhas, como uma molécula que foi chamada “homem molecular”, uma supermolécula feita de moléculas diatómicas (monóxido de carbono, formado por um átomo de carbono e outro de oxigénio) com dimensões de 2,5 x 5 nanómetros. Ou como o chamado curral quântico, outra proeza de Eigler e seus colaboradores: uma cerca de átomos de ferro sobre uma superfície de cobre, na qual se podem excitar ondas eletrónicas. Ou como um mapa-múndi dourado feito com átomos de ouro real (é fácil adivinhar qual é o continente onde ele foi feito!). Ou como um minúsculo cristal de iodeto de sódio (semelhante ao cloreto de sódio, o sal das cozinhas, mas com pouco cloro e pouco iodo). A nanotecnologia responde a questões como: Quantos átomos são precisos para se obter um material com certas propriedades? Por exemplo: quantos átomos de cloro e de sódio são precisos para se ter o cloreto de sódio, numa estrutura tridimensional, tal como o conhecemos na Natureza e tal como o usamos na sopa?
As aplicações da nanotecnologia são tão numerosas como as possibilidades de ligar os átomos entre si. Uma das aplicações mais faladas e exploradas é a do fabrico de nanocomputadores, isto é, de computadores com transístores à nanoescala. Os transístores são interruptores por onde passam (ou não, conforme o valor de uma tensão eléctrica aplicada) correntes elétricas. Um processador central de um computador atual (Pentium 4) tem cerca de 40 milhões de transístores. Em 1985, a dimensão de um transístor integrado num “chip” (em português, pastilha, mas o nome inglês pegou) de computador era de um micrómetro, o tamanho característico das células vivas (por isso, é que o controlo de qualidade de “chips” se faz com a ajuda de microscópios normais), mas vinte anos depois já era de um décimo de micrómetro (100 nanómetros). Essa evolução, apesar de vertiginosa, deu-se no domínio da microeletrónica. Mas agora está aí a bater à porta a nanoeletrónica.
Estima-se que seja possível construir nanocomputadores que tenham as possibilidades dos actuais, mas com o tamanho – o computador todo – do décimo de micrómetro, 100 nanómetros. As peças constituintes desses nanocomputadores serão moléculas com um tamanho semelhante ao das proteínas, mas feitas artificialmente em vez de serem o resultado do longo e lento processo da evolução biológica. Os novos computadores poderão vir a ser duas mil vezes mais pequenos do que os atuais porque os transístores que constituem poderão ser duas mil vezes mais pequenos do que os atuais, isto é, os interruptores serão agregados atómicos, moléculas especialmente fabricadas para esse fim por instrumentos do tipo do STM.
Hoje em dia já existem em laboratório protótipos de transístores formados por um só átomo e o grande desafio consiste em integrá-los e em fazer dispositivos integrados desse género em grande quantidade… Há quem fale na necessidade de autoreplicadores, isto é, de processos automáticos de construir nanopeças. Claro que há o perigo de não vermos computadores tão pequenos, mas isso significa ou que eles serão mesmo invisíveis, podendo estar omnipresentes, ou que terão um tamanho relacionado com a nossa capacidade de visão e de manipulação. Nessa altura terão um poder de cálculo espantosamente grande quando comparado com os atuais.
A lei de Moore, que descreve o crescimento espetacular dos computadores (todos os dois anos o poder de cálculo passa aproximadamente para o dobro), baseia-se na miniaturização dos transístores que tem ocorrido à escala do micrómetro ou próximas dela. Com a passagem à escala do nanómetro, com novos princípios, novos materiais e novos processos, a lei de Moore poderá até ser modificada. Uma eletrónica baseada em nanotransístores poderá vir a ser uma revolução para a indústria informática tal como o transístor foi, quando surgiu em 1947, relativamente aos computadores que eram até então verdadeiros monstros, feitos de enormes válvulas que demoravam a aquecer e falhavam com frequência. Os “palmops” (computadores de palma de mão) ou “Personal Digital Assistants” (PDA) do futuro, apesar de poderem continuar a ter o tamanho da palma da nossa mão, poderão ser muito mais inteligentes do que os atuais, a ponto de conseguirem manter uma conversa decente connosco… Serão verdadeiros “assistentes pessoais”!
Prevê-se, portanto, que a nanotecnologia venha a ter uma influência tremenda na informática. Mas ela é uma disciplina altamente interdisciplinar, recebendo contributos não só da Física Computacional (simulações moleculares baseadas na teoria quântica, como as que são feitas no Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra, permitem prever a estrutura e as propriedades de agregados atómicos), como da Física do Estado Sólido (nanolitografia, assemblagem átomo a átomo, etc.) como ainda da Química Supramolecular (química de coloides, polímeros, etc.) e da Biologia Molecular (biotecnologia, tecnologia do DNA, etc.). Com efeito, a atual Biologia Molecular, que encontra as suas raízes nos trabalhos dos criadores da mecânica quântica, é um dos caminhos para a nanotecnologia: em vez de se reunirem átomos um a um para fazer peças, podem-se usar blocos já feitos pela Natureza e que se encontram na matéria viva. A física vai assim ao encontro da biologia. Ou antes, as duas vão ao encontro uma da outra. E fala-se hoje, com toda a propriedade, de nanobiotecnologia…
O nano começou muito pequeno, mas está a crescer exponencialmente. Tal facto é comprovado pelo crescimento do número de artigos que tem a palavra “nano” no título, cujo comportamento se assemelha ao que é descrito pela lei de Moore. O nano cresceu não só na ciência como na literatura de divulgação científica: um dos seus maiores divulgadores tem sido Eric Drexler, um visionário norte-americano que tem dedicado a sua vida a anunciar o admirável mundo novo. Ele é o autor de “Engines of Creation: The Coming Era of Nanotechnology” e o detentor do primeiro título de doutor em nanotecnologia molecular dado pelo Massachusetts Institute of Technology, mas há muitos outros. E cresceu também no número de patentes registadas e no número de empresas emergentes que procuram explorar as novas possibilidades, num negócio de milhões e milhões de dólares. O futuro vem aí!
Mas o futuro já chegou! Muitas aplicações do nano já apareceram e estão disponíveis no mercado. Novas moléculas e novos materiais podem ser comprados nas lojas e estão já a mudar as nossas vidas. Há motivos para esperança. Manufaturam-se, por exemplo, novos cosméticos e novos têxteis baseados na nanotecnologia. Também já existem quadros de bicicleta, ultraleves e ultrarresistentes, à base de nanotubos, que são novas moléculas formadas por folhas de grafite enroladas sobre si próprias.
Com a explosão de novos negócios há novos ricos, mas há também novos riscos, que estão a ser apontados a dedo (“Prey”, em português “Estado de Pânico”, um romance de ficção científica do escritor norte-americano Michael Crichton, fornece matéria assustadora, ao ficcionar nanorrobôs desordenados e em fúria). Há, por isso, motivos para medo. Sempre foi assim com quaisquer novas tecnologias: o medo e a esperança sempre estiveram juntos e é tarefa humana, uma tarefa que deve ser fruto da razão e da paixão, aumentar as razões para a esperança e diminuir as razões para o medo. Os cientistas são otimistas. E um otimista dirá que há muitos mais motivos para a esperança do que para o medo. O nano, que tem conhecido grandes iniciativas nacionais nos Estados Unidos, no Japão e nalguns países da Europa (em Portugal foi já anunciado um Instituto Ibérico para Nanotecnologia), pode também servir para curar vidas. Já existem biossensores com capacidades de detecção à nanoescala, que permitem identificar certas moléculas. Já se fala em sensores que sejam capazes de detectar tumores cancerígenos numa etapa muito inicial do seu desenvolvimento e até atacá-los. E fala-se na possibilidade, por enquanto apenas de ficção científica, de nanorrobôs percorrerem ordenadamente os nossos vasos sanguíneos removendo os obstáculos ao fluxo normal de sangue. No tempo em que Feynman fez a sua conferência pioneira sobre nanotecnologia o que ele disse parecia ficção científica. Mas houve ficção que se tornou facto. E vai continuar a ser assim… Na tradição de Feynman, o autor sente-se tentado a oferecer um prémio de mil euros (sempre é mais do que mil dólares!) para o primeiro fulano que construir uma máquinas dessas…
Carlos Fiolhais, professor catedrático do Departamento de Física da Universidade de Coimbra.
- Notícias
- Casting | “Qual é a forma mínima do teatro?”
- Conversa sobre NANO T - "O motor do conhecimento é a imaginação"
- Lançamento do CD com a banda sonora de "2 Cyborgs Num Quarto Vazio" de Pedro Augusto (aka "Ghuna X") e "finissage" "NANO T"
- Nota do encenador de "NANO T"
- Os ensaios da nossa próxima produção "NANO T" já começaram na Casa das Artes
- Recensão de Manuel Portela aos espetáculos "My Inner Mind" e "Nano T"
- Registo fotográfico dos ensaios do NANO T antes da estreia
- Vinte e quatro volumes da Enciclopédia Britânica na cabeça de um alfinete