Nota do encenador de "NANO T"
Quem conhece a Marionet e as suas propostas sabe que a companhia apresenta com regularidade criações inéditas que alimentam um conflito entre o teatro e as suas preocupações mais frequentes, trazendo para cena as inquietações de um mundo onde arte, ciência e tecnologia já não cabem em compartimentos estanques.
Quem viu, o ano passado, a minha estreia como encenador, encontrou certamente estes mesmos conflitos, ou não fosse a Marionet, desde 2003, a minha casa no teatro. Mas, quero destacar dois aspetos deste conflito. O primeiro é a luta de um teatro que procura saber se o pode continuar a ser sem uma história para contar. O outro é relativo ao processo de escrita, com o isolamento do escritor a ser substituído pela sala de ensaios, o papel a chegar depois das palavras ditas e a mão de um a fazer-se o som da voz de cada um, ensaio por ensaio. Um processo que faz com as palavras o que a nano-tecnologia quer fazer com a nossa próxima refeição, construí-la peça por peça, partícula por partícula.
Para encenar esta peça primeiro encenámos uma visita ao mundo à nano-escala. Construímos um guião com livros, filmes, artigos científicos e sobretudo um elenco de convidados capazes de nos dar a conhecer o estado da arte do incrivelmente pequeno. Falámos com pessoas que veem o mundo como um jogo de legos quase-infinito onde a matéria se constrói peça por peça. Entre estes conhecemos os que têm uma abordagem teórica à nano-tecnologia e os que constroem os primeiros nano-componentes. Ou, os que julgam não ter visto nunca algo mais pequeno que uma formiga e uma migalha de pão. Quisemos discutir a ideia de escala à escala do próprio teatro e para isso falámos com os que se ocupam de o fazer, discutimos a ideia de dramaturgia mínima com quem a ideia de construir uma peça com estes pressupostos é mais ou menos exótica.
Vimos, claro, a cura para todas as doenças do mundo e para o mundo em si mesmo. Aliás, estas curas estão agora em toda a parte como se fossem o eixo central do contrato que a tecnologia tem com a Humanidade. Mas, também vimos os medos e as dúvidas de quem não quer pensar em mais nada enquanto existirem fome e medo no mundo.
Num ponto indeterminável deste percurso percebemos que a pesquisa da escala do próprio teatro deveria ocupar um lugar central no dia em que apresentássemos o registo da nossa viagem aos seus espectadores. Assim, o TAGV, um Teatro para mais de 700 espectadores, viu a sua plateia reduzida para menos de 50 lugares e a distância ao palco substituída por uma arena em que espectadores, atores e equipa técnica partilham o chão do palco, expondo nessa proximidade perspectivas frequentemente ocultas, como as costas de uma cena ou a variação entre ter um murmúrio e um grito.
“NANO T” não é o teatro mais pequeno do mundo. Chegámos a discutir essa possibilidade espetacular dos circos de pulgas e outras bizarrias esquecidas no tempo das feiras itinerantes, mas aos poucos, com o passar dos dias, com cada nova conversa com os nossos convidados, tornou-se óbvio que precisávamos de encontrar um lugar mais íntimo para uma narração emocional da nano-escala e que o ruído dessa ilusão não o permitiria.
Permito-me uma nota pessoal para agradecer aos que cederam o seu tempo para falar connosco sobre este assunto. Sem eles não teria sido possível. A toda a equipa que construiu esta peça pela disponibilidade para perseguir uma pauta tão frágil, à Marionet e ao Mário Montenegro por tudo e a quem teve a paciência de suportar nestes últimos meses a minha pouca disponibilidade para as coisas grandes.
Alexandre Lemos
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